domingo, fevereiro 26, 2012

Canela & Açúcar Em Pó


A grande questão que paira actualmente sobre os Belenenses confunde-se com o anúncio da Zon: podemos ver futebol de primeira à mesma? Podemos, mas não é a mesma coisa.
Valha a verdade, até já o futebol de segunda se afigura suficientemente árduo para os azuis. Portanto, reajustemo-nos às novas circunstâncias e tenhamos calma; a mesma calma que o Estádio do Restelo emana das suas bancadas de cimento nu e frio, com o Tejo melancólico ao fundo a amparar os braços erguidos ao céu da Ponte e o Cristo-Rei a mandar um abraço lá da outra banda, soprando uma brisa fresca que transporta o doce aroma da canela e do açúcar em pó dos pastéis de nata acabados de cozer. Os Belenenses voltarão um dia a merecer uma fotografia que honre a família azul, como esta moldura impregnada de saudade.

Esta fotografia poderia ter sido tirada num dia de jogo, como se pode constatar pelo costumeiro frémito da maralha que enchia as bancadas do Restelo. Aqueles três tipos nos camarotes lá atrás eram mesmo danados para a festa. A equipa do seu coração equipava-se com o equipamento italiano do Mundial 90 – não há como disfarçar, nas golas está a bandeira de Itália; se o aproveitar destas sobras foi um tributo ou uma necessidade, não sabemos; mas lá que a Cruz de Cristo foi ali cerzida à pressão, lá isso foi. E há muito mais matéria por onde pegar, a saber:
- a omnipresença de Nito;
- o aspecto suspeito de Kobla;
- a finesse de Edmundo;
- the mood of the least happy of all Bulgarian players, sad Kov.
Mas nós vamos ignorar estes casos e avançar em direcção a outros, segundo recomendação do gabinete jurídico do Belenenses, instituição maior dentro da instituição-mãe e que já marcou quase tantos golos importantes como o Matateu ou o Chico Faria. Perante este parecer de tão reputado gabinete, aquiescemos sem reservas, mesmo contando com o apoio incondicional de António Fiúza para o que desse e viesse.
Mihaylov foi o Bejamin Button do futebol português. Foi adquirindo capacidades invulgares de rejuvenescimento com o passar do tempo. Nasceu sem próstata e com cataratas. Aos 15 anos apanhou uma crise ciática que quase interrompeu a carreira de jogador de dominó profissional. Aos 20 anos fez o seu primeiro jogo de futebol… à baliza, claro, que era coxo e precisava do poste para se agarrar. Aos 24 anos tornara-se num guarda-redes que pedia meças ao pico de forma do Best, embora ainda fosse incontinente e precisasse mais de Lindor anatómico do que de luvas. Aos 27 anos estava nos Belenenses, piscando o lho à selecção e dispensando o uso de medicamentos para corrigir a disfunção eréctil. Aos 31 anos, tinha cabelo com fartura e namoradas sem precisar de pagar-lhes uns quantos whiskeys, dando show nos EUA pela selecção. Nessa altura, Belém já era uma memória distante e Mihaylov um homem cada vez mais vigoroso. Depois aos 36, Mihaylov acabou o ensino secundário, integrou um casting para os "репички с оцет" (os “Morangos com Açúcar” da Bulgária) e nunca mais se soube dele. Pode estar a acompanhar a digressão do Justin Bieber, por exemplo.

Chalana dispensa apresentações. Ele próprio, reconheçamos, também não liga muito à apresentação. Contudo, o seu estilo ultra-blasé, a roçar o desmazelo puro, marcou pontos na década dourada dos torresmos, os anos 80. Com a chegada da proto-sofisticação dos anos 90, Chalana perdeu espaço e ganhou rugas, descendo a escada do sucesso aos trambolhões. Belém seria dos seus últimos estertores e daqui não leva boas recordações. Boas recordações leva de outros momentos, como nesta tertúlia entre “bigotis insignae”: Borges, o próprio Chalana e um tipo mascarado de Estaline com uns óculos supostamente engraçados.
Regressando a temas mais capilares, registamos o denodo belenense para emular artistas pop portugueses seus contemporâneos. Justino e Morato, em concreto, competiam em surdina para ser o fã nº1 de Marco Paulo (o cantor e não o actual treinador azul). Justino até talvez estivesse um passo adiante, como provou no cômputo das audições efectuadas, mas como não teve direito a cromo por ser eterno suplente, acabou por ser Morato a figurar na cover de um álbum apreendido numa feira em Ranholas.

Já Paulo Monteiro era um jogador polivalente que desenvolveu grande parte da sua carreira no Restelo e dali só saiu para ter prazer em representar o terceiro clube de outra cidade. Ele demonstrou de forma cabal a sua versatilidade ao inspirar um sem número de comparações graças à sua pomposa cabeleira.
Seria mais parecido com o seu primo Nel Monteiro?

Ou com José Malhoa (o pai da Ana e não o pintor naturalista)?

Ou seria com o José Cid?

Bom, o certo é que o rei vai nu e os Belenenses têm uma missão dura pela frente. E por muito inspiradores que sejam os cromos deste plantel, que não os levem muito à letra: é que esta equipa ficou em penúltimo no campeonato 1990/91.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

O Debute


Mais um pedacinho de história sacado sem permissão do You Tube. A data: tarde de 2 de Junho de 1988, 37ª e penúltima jornada da 1ª aventura de 20 clubes na Ia Liga. O local: Estádio Engº Vidal Pinheiro, santuário mítico do futebol europeu infelizmente desaparecido. O árbitro: Ezequiel Feijão, um nome bem “à árbitro”. As equipas: o Sport Comércio e Salgueiros, ainda sem patrocínio Ferbar, nem equipamento Hummel ou Adidas, nem tão pouco um ex-jugoslavo para amostra, alinhou com: El-Rei D. Madureira I; Carlos Brito (sim, esse mesmo), El-Rei D. Madureira II, Álvaro Maciel (histórico), Moreira (depois José Manuel) e Ferreirinha; Oliveira (brasileiro), José Luís (já teve direito a cromo e foi substituído neste jogo por Luís Filipe) e João (passaria tempos felizes em Felgueiras); Sr. Santos Cardoso e Jorginho. O Sporting Clube de Portugal jogou com: Damas; João Luís, Duílio (ainda com bigode), Morato e Mário Jorge; Virgílio (outro bigode; depois Litos), Oceano (talvez tivesse bigode) e Vítor Santos; Silvinho, Paulinho Cascavel (depois rendido por esse pré-Wolfswinkel de nome Peter Houtman) e Mr. Tony Sealy.

O resultado: 2-4. O Salgueiros desceria de divisão para voltar dois anos depois. O Sporting ficaria pelo 4º lugar, ultrapassado pelo Belenenses, naquele que seria o último pódio dos azuis de Belém. E porquê este resumo figurar aqui neste blogue? Pois bem, poderia ser pelo curioso de ver um jogo à tarde, num estádio bem composto, sem cadeiras e com peão; por ver o Salgueiros a disputar futebol de primeira; por ver o povo de Paranhos abespinhado contra a decisão do juiz da partida, sacudindo as precárias vedações de forma intimidatória para sublinhar a sua contestação; por ver um golo de Tony Sealy ou por vislumbrar de relance o estilo europop de Peter Houtman. Mas não foi por isso.

É que foi aqui, em Vidal Pinheiro e neste preciso jogo, que uma lenda do futebol luso do final dos anos 80 se deu a conhecer ao público: saboreiem, caros telespectadores leitores, o tempo que medeia entre 1:00 e 1:09 deste vídeo – são os breves, mas intensos, 10 segundos de HANS VIMMO ESKILSSON a debutar para os aficionados de Portugal! A antecipação foi tal que Eskilsson não pôde esperar pelo final da época e foi mesmo ali, ao intervalo de um jogo em casa alheia, que Eskilsson subiu ao relvado pela primeira vez. Acompanhado por essa grande influência de Vale e Azevedo que foi Jorge Gonçalves (do qual o arisco benfiquista apenas não absorveu a teoria do farto bigode) e de um carismático leão de peluche, Eskilsson escreveu aqui, provavelmente, a página mais dourada de toda a sua permanência em Portugal – sim, porque aqui foram só aplausos e expectativas, entre comentários do género "com aquele tamanho todo, só pode ser bom", "da Suécia só vem material de qualidade", "o glam-metal está para durar, meus caros amigos! Hanoi Rocks!" e "tomara que ele marque tantos golos como o Joey Tempest polvilha maquilhagem cor-de-rosa nas trombas"; depois, com a bola a rolar e a "final countdown" a escorrer rapidamente, nada mais seria igual.

Com este vídeo, sentimo-nos todos um pouco como José Hermano Saraiva: podemos dizer, “foi aqui, precisamente aqui, que nasceu uma estrela da qual 25 anos depois ainda se falava por essas bancadas frias de Portugal de lés-a-lés: seu nome era Hans Vimmo Eskilsson. E o povo, o grande e sábio povo português, sabe reconhecer uma grande estrela quando lhe aparece uma pela frente.”

terça-feira, fevereiro 14, 2012

S. Valentim do Golo

No dia de S. Valentim, que não Loureiro, eis o raminho de flores que todos os namorados da bola esperavam, cortesia do You Tube: um célebre programa da mítica série “Golo, Golo, Golo”.

“Golo, Golo, Golo” assumiu proporções épicas naquela altura, época 1995/96, só comparáveis a outras séries de renome internacional como “Lost”, “House” e “Inspector Max”. Todavia, por uma infeliz e inexplicável casualidade, uma edição em DVD para coleccionadores com um poster da equipa do FC Felgueiras (que nessa época fez a sua única aparição no escalão máximo) ficou adiada sine die. Nem a RTP Memória sabe onde estão as fitas originais nesta altura.

Porém, houve uma alma caridosa que fez questão de disponibilizar esta relíquia no You Tube. Os mais maduros certamente embevecer-se-ão de nostalgia; os mais novos deverão ficar abismados com a interactividade RUDImentar deste talk-show de acção para guarda-redes.

Nesta instância, o guardião que se atreveu a desafiar a máquina, qual Schwarzenegger vs Predador num relvado sintético de primeira geração, foi Ivo, o Pagliuca de Moncarapacho e sombra de Peter Rufai, conforme bem sublinhado pelo apresentador Jorge Correia. A voz off de António Macedo, a energia contagiante dos South Side Boys e o ritmo braçal incessante de Stephanie & As Cheerleaders dos Pompons Coloridos eram ingredientes que conferiam um travo inconfundível a este prato kitsch-gourmet. Perante a frieza teclante de Walter, supostamente de Pinhel, Ivo apenas efectuou uma boa estirada, sem sucesso. Depois foi o vimaranense Zé Nuno que teclou, ou discou, duas vezes com sucesso. Ivo já estava a perder o sorriso, paralisado perante a eficácia assassina da máquina telefónica, pese embora os seus movimentos concentrados. Mas, por fim, lá fez uma defesa para gáudio do público, obtendo como prémio o merecido intervalo.

Na 2ª parte, um Fernando Tordo que foi confundido com Mendes, equipado a rigor com uma camisola da Bélgica – e que teve uma cantiga que se chamava “A Cantiga” –, não foi de modas e desfeiteou Ivo à primeira sem grande balanço. As restantes bolas, porém, não tiveram tanto sucesso e foram ter com os South Side. Depois de uma intervenção de um elemento da claque confuso entre a possibilidade de bater o seu ídolo ou ganhar uns cobres e de mais uma chamada, foi altura de fazer contas. No final, o bem-intencionado Ivo doou a considerável maquia de 99,76 euros a uma instituição de solidariedade.

Não deixem de visionar estes pedaços históricos de entretenimento televisivo. Incluindo a ironia do nome do responsável pela coreografia, revelado nos créditos finais: João Frango. Ou não fosse este um programa de guarda-redes.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

O Elevador da Glória

A vida de quem anda na bola é mesmo assim: umas vezes em cima, umas vezes em baixo.
E quando se está em baixo, a situação poderá complicar-se seriamente.
Pode haver asfixia.
Ou então está tudo a correr como o planeado.
Tudo depende da perspectiva.

Hoje, à Segunda-Feira, foi Domingos a vítima de mais um acidente aparentemente corriqueiro. Perderam a paciência. Nunca a houve. Não a havia. E agora é que não haverá Paciência de certeza.
Amanhã será outro treinador qualquer. Menos o Luís Campos, que ainda está na subcave à espera que o elevador passe pelos andares todos e regresse cá baixo para o elevar. Mas toda a gente anda a carregar no botão e o raio do elevador nunca mais lá chega - e fica o Luís Campos naquela, "se calhar vou de escadas... mas a minha espondilose... não, espera!, está a vir... aah, voltou a parar...". O Luís Campos acabará por ir de escadas.
E vai daí... se o Henrique Calisto ainda tem bigode, é possível acreditar.
Acreditemos, portanto.

PS: é incrível o poder de antecipação do Sporting, que não esperou que este aviso ficasse preparado antes de se dar o acidente. E nós juramos, pela palavra sagrada de Bouderbala, que ele já estava a ser preparado.

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Uma Família Às Esquerdas

Quem visionou o filme “This Is Spinal Tap”, para além de ter ficado inebriado com visuais tão eskilssianescos, não pôde deixar de reparar no pormenor dos bateristas. Os Spinal Tap são uma banda heavy-rock cujo lugar junto à tarola esteve sempre amaldiçoado e largamente exposto ao infortúnio – não há mãos no mundo que sirvam para contar os membros que por lá passaram e a própria banda tem dificuldade em explicar os porquês. Não que os bateristas fossem demasiado maus ou que não se encaixassem no espírito da banda… simplesmente, acontecia sempre qualquer coisa que os afastava. A partir de certo momento, a maior expectativa que um novo baterista poderia legitimamente acalentar seria ficar por lá mais tempo que o anterior baterista. Por apenas horas ou, quem sabe, por uma digressão inteira, no caso dos mais sortudos. Todos estavam conscientes deste desafio hercúleo e nada parecia capaz de mudar o destino.
No nosso mundo da bola e num passado mais recente, apenas um caso encontra paralelo com os bateristas dos Spinal Tap: os laterais-esquerdos do FC Porto. Era vê-los a desembarcar junto ao Dragão aos magotes, como refugiados de guerra prenhes de esperança à procura de um futuro risonho, e era vê-los a definhar com menor ou maior celeridade à deriva num Oceano, abandonados sem perdão e sem uma (Marina) Mota d’água que os pudesse manter à tona, com os seus sonhos despedaçados e a ambição de estrelato apagada sem remissão.
Seria demasiado exaustivo elencar todos os que, desde Nuno Valente até Álvaro Pereira, deram o corpo às balas e se sacrificaram na dura missão de preencher o lado canhoto da defesa azul-e-branca. E porque ir mais atrás e repescar os saudosos Esquerdinha e Vlk tornaria a missão impossível. Por isso, deixámos de lado aqueles que foram inegavelmente bons negócios, como o fugaz e dentariamente debilitado Cissokho, os que foram persistentes, como Marek Cech, os que lá jogaram à falta de melhor, como Fucile, e o Emídio Rafael, que era Emídio e Rafael ao mesmo tempo. E, mesmo assim, ainda sobravam 238 elementos, incluindo aqueles que o Benfica desejou e que entraram, por definição, nas cogitações portistas. Com uns retoques aqui e acolá, resumimos para apenas sete. Sete anões, sete maravilhas; sete, esse número mágico que assentou como uma luva na montagem acima. Mas mesmo sete é uma carga de trabalhos, dá um post demasiado extenso que ninguém vai ler sem ser na diagonal e depois gastam-se pseudo-piadas de forma avulsa, pelo que resolvemos focar-nos em quatro deles. Deixemos o Lino, o Benítez e o Mareque para outras núpcias, pois até já foram aqui alvo de destaque (façam uma busca para comprovar) e terão certamente uma nova oportunidade, algo que já estarão habituados a ouvir.
Casquemos então em Leandro, Rossato, Areias e Ezequias. E o que nos vem imediatamente à cabeça? É isso mesmo, faustosas comissões para os empresários. E potencial cromístico, claro.
Leandro da Silva Wanderley. Nome de craque. Ou de empregado de restaurante de picanha. Escolham. Fez da discrição uma forma de vida. Nem sequer utilizou um apelido ou alcunha – foi apenas Leandro. Na esteira de outros Leandros que passearam pelo Dragão, como Leandro do Bonfim, que não veio de Setúbal, Leandro Lima, o velhinho feito menino, ou Leo Lima, que não era Leandro, mas confundia-se com estes como se fosse um. Ou seja, detinha uma capacidade de entusiasmo muito próxima da nulidade. A sua presença pode ser resumida numa sequência simples: chegou como potencial candidato a titular, fez uns joguitos, sentou-se no banco, sentou-se na bancada, sentou-se no avião e redescobriu a felicidade na sua terra natal. Pragmatismo, como se estivesse a perguntar “quer carne bem-passada ou mal-passada?”.
Rossato. Na verdade, este senhor nem sequer chegou a pisar o relvado com a azul-e-branca vestida. Foi uma coisa estranha: nem chegou a ser aquilo que geralmente não se é para ser durante muito tempo – defesa-esquerdo portista. De tão anónimo e rushfeldtiano, ainda nem sequer tínhamos falado dele por aqui, pelo que a sua presença se impunha: nem que fosse só para contrariar a sua falta de imposição noutros lados. Deu nas vistas naquela colónia brasileira da Choupana, sustentada por um Nuno Carrapato lusitano nas redes, e a sua contratação pareceu ter feito sentido naquele Verão de 2004… até porque, com Areias e Leandro a chegarem na mesma altura, todo o backup nunca seria demais. Mas Rossato entrou em combustão espontânea e… puf, lá se foi a promessa. Uma next big thing que encontrou o sinal de estrada sem saída logo na primeira curva. 
Miguel Alexandre Areias. O terceiro e último capítulo do caos prospectivo da terrível época de 2004/05. Quando se dizia que havia uma grave crise em arranjar defesas-esquerdos portugueses, teimaram em fazer ouvidos de mercador. E apostaram mais umas fichas no Areias. Mas Areias, não sendo um camelo, era perito no bluff. De farta trunfa, Areias era um exercício de estilo a quase 100%, o mesmo estilo que pareceu ser a principal razão da contratação de Mareque – não o Marek (Cech), mas assim mesmo, Mareque, escrito à laia de contrafacção espanhola. A aposta não correu bem, assim como Areias não corria bem, desengonçado do alto do seu metro e noventa. O ambiente no Dragão tornou-se assim demasiado árido à sua volta, aquilo era areia demais para a camioneta do Areias e Miguel Alexandre desceu naturalmente os degraus do aparato mediático para níveis mais consentâneos com os seus pontos fortes: a capacidade inigualável de efectuar lançamentos laterais com a fitinha no cabelo perfeitamente aprumada e a forma emblemática com que olhava à distância para os adversários que se escapuliam nas suas costas.
Para finalizar, o brasileiríssimo Ezequias Roosevelt. Uma pessoa desconfiava logo da sua antroponímia contraditória. Um primeiro nome algo fúnebre (ninguém nos desmente que “Ezequias” não resulta de uma má escrita de “exéquias”, assim como “Maiquel” foi como a senhora brasileira do registo entendeu que se escrevia “Michael”), ao qual se juntava um segundo nome grandioso. Nesta mescla, alguma coisa de útil poderia advir. Mas nem por isso. Algumas épocas no Marítimo e uma temporada na Académica não lhe pareciam vaticinar palcos maiores, mas alguém pensou que sim. Acabara de sair a taluda a Ezequias. E, também, para quem já tinha tido uma paleta tão diversa de tipos para aquele lugar, não fazia mal experimentar mais um. Do género, vem fazer uma demo connosco, vem dar uns concertos, mostra o que vales e logo se vê, na boa e sem compromissos. Até que um dia, “esqueceram-se” de o chamar e percebeu que o seu lugar já estava ocupado. E quem o veio ocupar, na temporada seguinte? Seguramente alguém indiscutível, para variar, reclamava o adepto. Alguém escolhido pelo seu valor, não apenas um fulano indicado para manter uma “política de boa vizinhança” ou para pagar favores a outrem. Alguém a quem possamos apontar o dedo e dizer “sim, sr., temos aqui defesa-esquerdo para uma geração, capaz de meter o Cech no bolso e de não ser o elo mais fraco mais uma vez”.
Esse alguém foi o Lino.
Oh infâmia!
Oh desdita!
Lino?
Seria o regresso sebastiânico do tipo que veio do Chaves do señor Bastón há uns anos?
Como já perceberam, não era. E isso, para desgosto dos adeptos, também não se traduziu em algo necessariamente bom.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A Caderneta Herética

A colecção da Panini 1990/91 apresentou alguns erros na identificação dos cromos. Mais que erros, autênticas heresias que devem vexar até ao final dos dias os seus responsáveis, tamanha a afronta à sapiência do povo da bola. Logo na parte de trás da capa, surge um co-responsável por esta infâmia.
Sim senhor, as palavras são bonitas... vamos então à acção?
Esta estrela de Hollywood dos anos 40 com cara de quem acabou de vir do cabeleireiro é mesmo aquela que vocês estão a pensar: José Couceiro, à altura presidente do Sindicato de Jogadores. Se não foi o melhor dos presidentes, foi certamente o mais glamouroso numa área, a sindical, onde ainda hoje é possível encontrar carecas com um fiozinho de cabelo penteado para o lado e bigodes com vestígios de pão com chouriço e tintol.
Conhecida a relação de Couceiro com o Sporting, é, curiosamente, a parte relativa ao Sporting a que mais erros possui. Para além do colossal erro já linkado, eis outra falha, mais subtil, mas nem por isso irrelevante.
Pois bem, este João Luís não era defesa (e se realmente o foi, tal aconteceu apenas de forma involuntária). Os mais antigos reconhecê-lo-ão como o João Luís II, precisamente o segundo João Luís a chegar ao plantel do Sporting nessa época. O João Luís que a caderneta pretendia ilustrar era o João Luís I, brasileiro e defesa-direito de qualidade razoavelmente superior à do Gil Baiano, justo merecedor da honra paninesca. Porém, o João Luís que aqui aparece no cromo era viseense, avançado e, pela cara, podia estar a trabalhar ao balcão da pastelaria da tua rua.
Mas, por acaso, convenceu alguma gente que marcaria golos melhor do que servia palmieres e cafés curtos. Esta já era a sua segunda passagem pelo reduto dos leões, mas ele nunca foi mais que uma segunda opção (quando não terceira ou quarta), pelo que o apodo “II” estava mais que justificado deste ponto de vista. Na sua 1ª passagem, marcou 1 golo em 141 minutos para o campeonato, obtendo uma média melhor que Jorge Plácido (2 golos em 1110 minutos) ou Rui Maside (que não fez sequer balançar a rede nos seus quase 600 minutos em campo). Apesar dos números superiores aos da concorrência, o pecúlio foi considerado insuficiente e ele foi dar uma volta a Santa Maria da Feira para espairecer. Voltaria um ano depois e o seu ponto alto foi justamente figurar nesta caderneta de forma equívoca, porque os golos e os minutos continuariam arredados deste eterno nº16. Acabados os tempos de Alvalade, Amadora e a Viseu natal foram os destinos seguintes e João Luís, mesmo já sem o incómodo II a perseguir-lhe, manteve-se longe dos grandes palcos e a facturar com uma cadência tranquila, como era o seu apanágio.
Toda esta confusão poderia ter sido evitada se lhe fosse atribuído um terceiro nome e não um algarismo dinástico levemente preguiçoso – algo que só começou a ser corrigido quando José Nuno Azevedo e José Nuno Amaro decretaram o fim desta mania e orgulhosamente impuseram os seus apelidos à comunidade da bola, para deleite dos Joões Manuéis Pintos e dos Nunos Andrés Coelhos que se seguiriam.
Mais aturdidos ficámos nós, contudo, ao detectar a seguinte gralha imperdoável:
Sabemos que Manuel Correia e Vicente eram quase irmãos. Que nasceram perto um do outro e com pouca diferença de tempo. Que juntos escreveram páginas indeléveis de heróica traulitada em defesa da honra primodivisionária flaviense. Que até partilharam um corte de cabelo à tigela. Mas, que diabo: o bigode marialva de Manuel Correia e a experiência de vida espelhada nos fortes vincos da face de Vicente eram inconfundíveis. Shame on you, Panini.
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